sexta-feira, 4 de julho de 2014

PARA SER GRANDE





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“ Para ser grande sê inteiro: Nada
Teu exagera ou exclui.
Sê todo em cada coisa. Põe quanto és
No mínimo que fazes.
Assim em cada lago a lua toda 
Brilha, porque alta vive. 


> Leituras num banco de jardim | Citação 8
Ricardo Reis (Fernando Pessoa, 1888-1935), Portugal
in Odes de Ricardo Reis, 1933
ed. Ática, Lisboa, 1946


> Xisto | Artes Visuais ! Fotografia 
Gérard Castello-Lopes (1925-2011), Portugal/França
(A Pedra) Portugal, 1987, 
prova fotográfica, gelatina e sais de prata 
©  CRO|XISTO|AV|F

14 comentários:

  1. Porque é batida pelas ondas, esta pedra eleva-se.
    Neste momento, ao "ler" esta belíssima fotografia de Gérard, penso nos momentos difíceis, naqueles de maior atrito entre as forças naturais e a rocha. Penso que esta, fazendo-se carne e corpo e pedra, ganha alma e eleva-se.
    Talvez seja isso que a natureza e a terra mãe pede de nós? Que nos superemos, que nos ultrapassemos, que tenhamos força para vencer a gravidade.
    O que Gérard captura nesta imagem não é apenas uma pedra sobre as ondas, mas a poesia da superação na condição humana.

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    1. Ainda bem que as obras de arte têm esta capacidade para gerar leituras diversificadas, nomeadamente no campo simbólico. A associação de uma imagem a um texto, cujas dimensões poéticas não se ilustram (não se descrevem nem se opõem, não são citação uma da outra nem linguagem do absurdo) tem essa mesma intencionalidade: fazer que elas dialoguem entre si através da libertação dos respectivos halos poéticos. Ao cruzar estes dois gigantes, texto e imagem, ambos apelando ao essencial das nossas vidas (ou da condição humana), quis ampliar as possibilidades de leitura de um e de outro. Pelos vistos, resulta.

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  2. Este é um comentário cheio de interrogações, mas os versos de Ricardo Reis ficaram-me a remoer as entranhas da "alma".
    Há bocadinho, nos jardins do xisto, contemplei as montanhas como se as vislumbrasse com os olhos... Foi um momento de simplicidade, mas em que me senti grande / inteiro, talvez como se tivesse transcendendo o próprio conceito de alma, como se conseguisse "tocar", o que está por detrás de toda a existência.

    " Sê todo em cada coisa.". Talvez sejam assim os artistas porque quando trabalham nas suas obras devem sentir que não são "nada" e, simultaneamente, são o universo inteiro...
    Bem haja por estes posts que nos prendam com densas e sábias palavras.

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    1. Se uma frase ou uma imagem são citação é porque elas têm percursos e existências públicas que escapam ao seu autor. Ao ser citado, o autor constata que a obra já não lhe pertence.
      Por outro lado, exceptuando os casos de vampirização e de apropriação indevida, o citador é sobretudo um veículo para outras leituras, possivelmente diversas da sua. E assim as obras permanecem abertas, vivas.

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  3. Estou neste momento a ler um livro de José Bragança de Miranda, chama-se Corpo e Imagem. Bem a propósito deste post, no final do capítulo dedicado à Carne e citando o poeta Ghérasim Luca diz "Num mundo onde as imagens têm a potência de comoção dos actos e dos orgãos, onde os corpos vivos ganham, pela primeira vez, a liberdade de viver nas suas sombras mais reais que os corpos, os materiais com que eu construo os objectos podem ser em papel ou em celulóide, mas no mundo dos sonhos em que gosto de me mover o celulóide é de carne e o papel de água". Nada a acrescentar.

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    1. Vejo que acrescentas uma citação à pedra, palavras às palavras. Afinal, carne à carne. Ou ainda, alma à alma.

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    2. A leitura que me atrevo fazer, está ligada a esses dois factores "alma" e "carne", paralela à imagem de um Cristo em ascenção. O Cristo é representado pela natureza, pela Pedra. Salvo a heresia, não é a terra o nosso maior deus, a nossa deusa? Não é dela que saimos e a ela que regressamos? Na verdade, o sopro da vida é o elevar desta pedra inteira. Se puseres "quanto és / no mínimo que fazes" conseguirás fazer elevar esta pedra, assim diz Ricardo Reis. Assim seja.

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    3. "não é a terra o nosso maior deus, a nossa deusa? Não é dela que saímos e a ela que regressamos?".
      Com esta visão pode afirmar-se: "Deus é tudo o que existe.", mas devemos lembrar que "Deus" é um conceito assim como também o Amor é um conceito. Talvez estas "novas" ideias ajudem a encontrar a realidade que está por detrás da vida, que eu prefiro chamar sonho.
      Para terminar, deixo uma frase de Nisargadatta Maharaj:
      "Compreenda que não é você que se move de sonho em sonho, mas são os sonhos que fluem ante você, e você é a testemunha imutável. Nenhum acontecimento afecta o seu ser real - essa é a verdade absoluta.".

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    4. As "Leituras num banco de jardim", começam a ficar animadas, esta caixa de comentários está quase uma tertúlia. Cada qual trás uma nova citação a resvalar para a filosofia. E eu, o citador original, que de filosofar pouco me assiste, respondo a Mister H e a Shanti, que a citação é sempre fragmentária, ainda que citemos um poema completo, como é o caso do poema de Ricardo Reis neste post.

      De novo recentrando a questão na "poiesis" (o fazer, o saber fazer, o fazer bem feito) deixo aqui este fragmento do romântico alemão Novalis:
      "A poesia é o autêntico real absoluto. Isto é o cerne da minha filosofia, quanto mais poético mais verdadeiro"

      (in http://www.iscsp.utl.pt/~cepp/autores/alemaes/1772._novalis.htm.)
      "Friedrich von Herdenberg Novalis (1772-1801 ). Luterano de obediência morávia. Marcado pelo pietismo e pela nostalgia da Idade Média, critica a ruptura da Reforma e até chega a elogiar a acção dos jesuítas. Propõe assim refazer a unidade espiritual da Europa sem qualquer cedência às fronteiras nacionais. Nostálgico da "respublica christiana" e concebendo a Europa como um Estado dos Estados, considera que só a religião a pode restaurar. Defende o que qualifica como idealismo mágico, considerando que a pátria do homem é o seu mundo interior. Entende que a poesia é o autêntico real absoluto. Isto é o cerne da minha filosofia. Quanto mais poético, mais verdadeiro. Proclama até que estamos em missão; somos chamados para a formação da terra. Também Goethe refere que o homem deve voltar sempre a mergulhar no seu inconsciente pois aí vive a raiz do seu ser. E Schlegel proclama: a religião é a alma do mundo, da cultura que tudo anima, é o quarto elemento invisível que se agrega à filosofia, à moral e à poesia."

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    5. Infelizmente não tenho sido um grande leitor de poesia, mas agora com os poemas nos posts, "Leituras num banco de jardim", a poesia está-se-me a revelar um espelho muito profundo e directo para o conhecimento, "real absoluto".

      Também Goethe refere que o homem deve voltar sempre a mergulhar no seu inconsciente pois aí vive a raiz do seu ser. Mas as religiões, muitas vezes, têm-se afastado desse caminho que, na minha opinião, é o único capaz de libertar o ser. Por exemplo a Igreja Católica, ao longo dos séculos apontou-nos caminhos "errados" e quase bárbaros... No entanto, dentro da instituição existiram homens e mesmo ordens monásticas que foram uma excepção e, de alguma forma, incentivaram o "mergulhar" na raiz do ser.

      Nisargadatta Maharaj:
      "O amor diz: “Eu sou tudo”.
      A sabedoria diz: “Eu sou nada”.
      Entre os dois, minha vida flui."

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    6. Caro Shanti,
      Obrigado pela resposta. É de facto como afirmas, a "realidade" em que escolhemos viver é a do "sonho" e do amor. Não o sonho que afecta a percepção do real no sentido negativo – alucinação – mas antes, um sonho que ajuda a construir o real. Esta, parece-me a única forma de nos aproximarmos de um entendimento da "realidade", da sua complexidade, das suas camadas e densidades variáveis.

      Caro Xisto,
      A poesia é então, a linguagem das "coisas", a linguagem do "real" traduzida em língua humana. Uma pedra, uma montanha ou uma cor, conversam connosco poéticamente. Levando a "coisa" mais longe – por ventura, demasiado provocatóriamente para cabeças técnicas – não é a matemática a linguagem universal, mas antes a Poesia.

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    7. Viva Mister H,
      Num mundo cada vez mais materialista, o que não faltam por aí são os charlatães, com toda a espécie de sensacionalismos que, como disseste, afectam a percepção do real no sentido negativo (alucinação).

      Assim, talvez seja a arte o veículo mais independente, que pode levar o homem à revelação do mistério, ao conhecimento de si mesmo. Isto com a magia de ter a arte o poder de arrebatar o ser "comum" à transcendência, ao sonho e ao amor.

      Deixo aqui porque a mim faz-me reflectir, apenas um excerto do sutra do coração:
      "O VAZIO É A FORMA
      A FORMA NÃO É DIFERENTE DO VAZIO
      O VAZIO NÃO É DIFERENTE DA FORMA....".

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    8. Ouroboros, caro Shanti.
      E assim voltamos à forma. Quanto ao materialismo do mundo, julgo que sentimos mais a sua fragmentação, ou se quiseres, uma explosão de pequenas "imagens" que se acumulam formando uma névoa, que turva a visão da turba, e facilita a vida aos estroinas.

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    9. Pois bem, insisto na "poiesis". Enquanto a turba diz "isso é poesia", como quem diz, isso não interessa para nada, vem o lunático Novalis dizer-nos "quanto mais poético mais verdadeiro". Afinal a poesia é a mãe disto tudo.

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